Depois de ter sofrido e muito em minha última maratona em
2011, pensei muito se valia mesmo a pena passar por essa experiência novamente.
Correr uma maratona não é algo fácil, exige muito do corpo e
principalmente do psicológico.
Nos treinos longos de todos os sábados (durante 3 meses antes da prova) já dá sentir a encrenca que se meteu!
Nos treinos longos de todos os sábados (durante 3 meses antes da prova) já dá sentir a encrenca que se meteu!
Além dos treinos longos existem os “curtos” durante a
semana combinados com musculação, dieta, dores, calor, frio, gripes e tudo isso
somado ao trabalho, stress, família, vida social e por aí vai.
Se essas questões não estiverem muito bem resolvidas com
você mesmo, é melhor nem pensar em correr uma maratona porque o estrago vai ser
grande, além da decepção e frustração em não completar a prova e o enorme risco
de acontecer algo bem mais sério.
Refleti bastante sobre isso de junho de 2011 ao início de
2012.
Em 2012 corri mais de 20 provas sendo 4 meias maratonas. Estava me sentindo bem e em um momento bacana
de vida em todos os sentidos, então resolvi que iria encarar outra maratona.
Seria uma especial, que sempre tive vontade de participar, pois
além da prova conheceria uma nova cidade, cultura, etc.
Abriram as inscrições, nem pensei muito e já garanti a
minha: numeral 234 de 25.000 inscritos!
Era a hora de começar tudo de novo. Do momento da inscrição
ao início dos treinos específicos, vinham imagens maravilhosas das outras 4
maratonas que tinha corrido, mas também passavam pela minha cabeça os momentos
tensos, duros, dores, angústia, sofrimentos...nessas horas batia um certo
desespero e me perguntava qual era o sentido de correr mais uma maratona, no
caso, a minha 5ª.
Não sei explicar. Só quem já correu uma maratona pode
entender isso. Acho que é a conquista de um desafio que só depende de
você e a emoção de ver o pórtico de chegada depois de 42K correndo. É
arrepiante.
Eu tinha uma vantagem de que se desse tudo errado, pelo menos compensaria a
viagem para conhecer um lugar novo e junto com minha mulher...uma mini lua de
mel.
No início de janeiro recebo o e-mail da minha assessoria
esportiva, a Run&Fun, com o planejamento dos treinos longos dos sábados até
o dia da maratona em abril.
Com as pernas trêmulas e já sentindo todo o desgaste, abro a
planilha e percebo que alguma coisa estava errada. Cadê os treinos de 24, 28, 30K praticamente seguidos?
Nessa nova planilha tinham treinos de 10, 8, 20 e apenas um de 30K.
Converso com os treinadores e fico sabendo que a planilha estava
correta e era isso mesmo que eu iria treinar. A nova metodologia seria treinar
menos quantidade/volume só que com mais velocidade/qualidade. Todos os treinos tinham
subidas, pois essa prova específica exige isso.
Fico feliz por um lado, pois treinaria menos e com pouco
desgaste, mas também preocupado com o baixo volume o que poderia faltar lá na
prova.
Penso: bom, eles estudaram muito para chegarem nessa decisão, então
vou obedecer e fazer direitinho!
Começo os treinos longos já 3kg mais leve, o que ajuda
bastante.
Termino todos muito bem e sempre em ritmo progressivo,
mesmo os que realizei em dias quentes.
Dieta funcionando, musculação focada nas pernas, pilates
ajudando no alongamento e equilíbrio, cabeça boa, ... baita confiança...está
dando certo.
Quarta-feira, 3 de abril. 7h15: voo para Santiago
Para não ter o mínimo de preocupação (vide Maratona de
Buenos Aires!), chegamos ao aeroporto antes das 5 da manhã. Levamos o RG e o
passaporte!
Já em Santiago, fizemos passeios maravilhosos e agradáveis, porém
o frio da manhã, junto com calor da tarde, o ar seco e a poluição eram pontos a
serem considerados...se der alguma coisa errada agora já era!
Como estava bem treinado fisicamente e psicologicamente, a minha preocupação
nesses dias pré prova era mais com o descanso, alimentação, hidratação
(tomava mais de 2L de água por dia) e gripe. Ficava tenso quando algum Chileno
espirrava ou fungava do meu lado!
De quarta-feira até sábado foi bem difícil seguir a rotina
de alimentação.
Quis experimentar umas coisas diferentes e sempre me
arrependia depois...e se desse um piriri daqueles brabos?!
Fora a alimentação e o medo da gripe, dois outros pontos me
preocupavam: ficar andando a pé e a enorme tranquilidade que eu estava. Sei lá, sentia falta daquela TPM (tensão pré-maratona).
Sábado
Depois de passearmos bastante no sábado e de um belo jantar
de massa, dormi que nem um Rei e sem ansiedade alguma. Vai entender!
Domingo, dia D
Acordei tranquilamente. Estava estranho, muito relax pra quem
iria correr 42K em breve.
Como o hotel ficava a 600 metros da largada/chegada, fomos
andando, curtindo o clima da prova e indo em direção ao ponto de encontro do pessoal da Run&Fun que
ficava a poucos metros da largada.
A largada da maratona era às 8h30 (dos 10K às 9h), fiquei
por lá até umas 8h15. Continuava extremamente sossegado.
8h20. Penso: vou andando ao lado das grades, entro no funil
da largada e largo na boa, sem pressa.
Me despeço e vou.
o pórtico de largada era esse amarelo ao fundo
Percebo que o meu plano não funcionaria. Não tinha
entrada pela lateral do pórtico. Estava fechado, lotado de gente e com a polícia cercando todo o
espaço.
Aí bateu o desespero!
Suposta entrada ao lado do pórtico. À esquerda
Tive que andar 2 quarteirões pela lateral mais 4 para cima para achar uma entrada com menos gente. Enquanto ando, ouço o barulho da buzina e os fogos de artifício anunciando a largada da maratona.
Ferrou! E agora?!
A partir daí, toda a tranquilidade tinha ido embora!
O pessoal dos 10K largava no mesmo pórtico que os 5.000 maratonistas. Os da meia maratona largavam no pórtico do outro lado da avenida.
Consigo entrar no funil de largada a uns 300 metros do
pórtico. Milhares de corredores já alinhados para a largada dos 10K.
Penso: não vou ficar aqui esperando. Tenho que dar um jeito
de chegar ao pórtico.
Respirei fundo, fui empurrando “educadamente” o pessoal e
treinando o meu espanhol: permiso, permiso, maratón, maratón.
Depois de uns 15 minutos da largada da maratona, chego finalmente
ao pórtico.
Nova surpresa: o pessoal do staff não me deixa passar por
baixo da faixa da largada: no puede, no puede.
Eu falava: soy de maratón, soy de maratón, mostrava
a cor do numeral de peito (diferente do numeral dos 10K) e nada.
A galera vendo meu desespero, começa a gritar: vai, vai, vai
e me empurram...quase me estabaco com a moça do staff pro chão. Esse foi
início da minha maratona!
Era assim a faixa da largada. O staff está de calça preta e colete amarelo
Disparo o cronometro e saio correndo que nem louco. Passo
pela Rê e falo: estou completamente atrasado...Olho pra trás e uma multidão esperando a largada dos 10K, mas maratonista mesmo só eu!
Olho pra frente e não vejo ninguém. Os 5.000 maratonistas já estavam beeem
longe!
Lembro que o percurso dos 10K era diferente do nosso.
Pergunto aos fiscais e para a polícia se eu estava no
percurso certo e ninguém sabia me responder.
E agora? E se eu estiver no percurso errado?
Resultado disso: fiz o 1º K abaixo de 5h30...parecia um maluco correndo todo descoordenado!
Tinha me programado para correr numa média de 6h40 a cada
KM. Indo nesse ritmo alucinante, todo o treinamento seria desperdiçado... ainda
tinha 41K pela frente.
Corri o 2º K também acelerado e completamente sem ritmo, mas
já conseguia ver um pessoal mais a frente de mim. Bom, devo estar no percurso certo.
Quase no KM 3, uma moto da polícia vem ao meu lado e fica
por um bom tempo. Aí percebi que eu era o último mesmo. A elite do fundão também tem seus momentos de celebridade!
Já no KM 4, entro no ritmo e a galera da meia maratona me
alcança.
Foi um momento interessante, por que não me sentia sozinho,
mas ainda com enorme medo de estar correndo no percurso errado.
Pergunto novamente para os staffs e ninguém sabia me dizer.
Nesse momento, a minha preocupação era prestar atenção no
ponto que supostamente separaria os “homens dos meninos” e sinceramente eu não
sabia quando essa separação aconteceria.
O que sabia, era que a Rê estaria no KM 9 para me
fotografar...e estava!
Vou correndo por vários Kms junto com a galera da meia
maratona e já passando vários outros poucos maratonistas pelo caminho, muitos
deles já andando.
Se eu estiver no percurso errado, eles também estarão!
KM 15, vejo a sinalização da separação. A gente virava à
direita e os meninos continuavam em frente!
A partir daí começava a maratona para mim.
Subidas
Pela a altimetria da prova e pelas conversas com amigos que
já correram essa maratona, sabia que estaria chegando à parte mais difícil, ou
seja: aproximadamente 10 KMs de subida.
Estava treinado para isso, já correndo dentro do meu ritmo e
curtindo muito o momento.
Ruas calmas, tranquilas e arborizadas. Estava me
sentindo muito bem e sabendo que naquele ritmo faria a prova em Sub 5h e sem
sofrer.
Foquei no momento. Não pensava em nada do passado e nada do
futuro (já que é impossível prever). A minha cabeça e meu corpo estavam
trabalhando ali, naquele exato segundo.
Escutava minhas passadas, minha respiração, o canto dos pássaros,
via as árvores mexendo, as folhas caindo, minha sombra no chão e tudo isso me
dava um enorme conforto e sensação de prazer. Estava ali, com total ausência de
pensamento!
Não tinha dores, cansaço, sede, fome e nem parecia que já
tinha corrido mais de 15 K.
A minha preocupação era somente em me hidratar, tomar meus
suplementos (não eram de cannabis sativa!) e encontrar com a Rê no KM 24 e no
29. O resto era resto!
Que delícia! Viagem total!
Os KMs iam passando e nada de subidas, somente uma avenida
larga e longa, com trânsito, bagunça, buzinas, gente atravessando, pessoal xingando os policiais, ...
Obs.: As ruas e avenidas de todo o percurso não estavam
interditadas. A polícia fechava informalmente para nós passarmos e aí abria para
os carros quando tinha um espaço entre um corredor e outro.
KM 20, 21, 22, 23...poxa, cadê a subida? Percebia que essa
avenida tinha um pouco de inclinação mas nada que fosse uma subida.
Pelo gráfico da altimetria, parecia que a coisa era muito
mais séria.
Encontro com a Rê com KM 24. Nessas fotos, dá para perceber
que a avenida é um pouco inclinada, mas nada assustador.
Também dá para perceber a minha tranquilidade e foco, mesmo
numa avenida congestionada e poluída.
Como o clima de lá é muito seco, o corpo e a camiseta praticamente não ficam suados.
As esponjas eram ótimas para limpar o sal do rosto e dar uma
refrescadinha!
Tinham milhares de pipocas na prova. Um deles aí ao meu lado
Várias bandas no percurso. Cordilheira ao fundo
Nesses 10 KMs a única SUBIDA mesmo foi essa aí da foto!
No KM 29, novo encontro com a Rê e a deliciosa batata com
sal. Carboidrato para o estômago!
Encontro com o André, um dos meus treinadores, no KM 30.
Para quem não sabe, o KM 30 é a barreira psicológica de uma maratona,
porque é o limite de distância que corremos nos treinos. Para quem está
correndo uma maratona pela 1ª vez, realmente assusta. Para mim, é apenas mais um número.
Nesse momento, você já percebe quem vai terminar a prova, quem vai
quebrar ou se arrastar até o final.
André vem ao meu lado por alguns metros e comenta que eu
estava com uma cara ótima, parecia que eu tinha acabado de iniciar a prova...minha
ausência de pensamento estava realmente funcionando!
Descida
Aproximadamente no KM 31 seriam 11 KMs de descida até o
final.
Já sabia que a descida estraga muito mais do que a subida,
mas que poderia ser uma oportunidade de soltar os músculos e terminar a prova
com um tempo ótimo.
Analisando a altimetria, também achava que seria uma descida
muito íngreme, o que também me enganei.
Fui descendo e curtindo a parte mais bonita do percurso. No
KM 34, uma dorzinha na lateral do joelho começa a incomodar.
Diminui mais o ritmo, mas a dor não melhorava. Nos pontos de
hidratação, parava, tomava água (em copo aberto), andava um pouco e voltava a
correr. Estava funcionando dessa maneira, porém o sonho do Sub 5h ficaria para
outra oportunidade.
Penso: quer saber...dane-se o Sub 5h, vou chegar inteiro,
tranquilo e feliz da vida por ter completado mais uma maratona Sub 6h!
Fui no trotinho, curtindo a paisagem e me sentindo muito bem. Sem câimbras, bolhas,
unha preta, sede, fome e principalmente sem sofrer.
Chegada
Não podia me esquecer de tirar a surpresa do bolso para finalizar a prova com
chave de ouro!
Estava tão desencanado que a uns 30 metros do pórtico de chegada até parei para tirar foto.
A Rê pergunta: e aí, não vai terminar?
Lá fui eu para o término de mais um desafio da vida. E esse
só dependia de mim!
Quero mais uma vez agradecer a toda equipe da Run&Fun
pelo apoio e pela coragem de transformar os treinos massacrantes para uma maratona
por um novo planejamento aparentemente arriscado, porém sem sofrimento e o mais importante, que deu
certo!
E também agradeço à minha mulher, minhas filhas, minha família, amigos e profissionais
que cuidaram de mim, pela energia, pelo carinho e pelo apoio.
Sem todos vocês essa aventura não teria a mínima graça!
Só para finalizar, duas frases que gosto bastante e que resumem
bem um desafio como esse:
"Corra a primeira
metade da maratona com a frieza de um cientista e a segunda metade, com a
emoção de um artista."
“Vai. E se der medo,
vai com medo mesmo.”
PS: O próximo desafio já está definido e será nesse lugar aí da
placa!